quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Corrupção e cabritismo e a psicologia de maphape (1)

(Notas de uma "comunicação " apresentada na cidade da Beira em Dezembro de 2001. Algumas/muitas das situações descritas e comentadas, hoje exibem, certamente, outras matizes. Podem estar ultrapassadas. Recomendo que a leitura tenha em conta a dinâmica dos processos sociais e políticos.)

Convidam-me os organizadores a falar da corrupção. Qual corrupção? Perguntei. Aquela de que falou nos seus artigos no jornal. É para falar da corrupção em Moçambique mas olhando especificamente o caso de Sofala.Aqui começam os problemas. Primeiro este trabalho é quente demais para um amador. Devia-se convidar a Procuradoria, a Polícia e a "sociedade civil" , os corruptos e os corruptores para mais um workshop ou coisa assim.

Mas haverá condições para se fazer isso? E havendo, ou criando-se, quem irá dar o primeiro passo? Aqui nasce a segunda questão: as pessoas andam desesperadas e cansadas. E não querem continuar reféns de promessas antigas que nunca mais são cumpridas.Há uma convicção de de que nada vai mudar, no estilo: os gajos cantam, a malta dança enquanto eles comem e riem-se de nós. Por isso, o povo comporta-se denotando o seguinte pensamento: nós vamos fingir que dançamos, para não se chatearem connosco, mas vamos também arranjar maneira de "comer". E sem nos apercebermos, estamos todos a rir uns dos outros, a fingir uns para os outros, e a comer-mo-nos. Embora, na verdade, muitos se nós estejam só a ser comidos. E este, se quisermos, é o terceiro problema. Parece que nós os moçambicanos, os Sofalenses, organizamos a nossa vida para "comer", para cabritar. Aquele que não alinha é parvo. De resto, hoje em dia, muitos de nós só ficam realmente felizes quando cabritamos. Até uma coisa que podíamos conseguir ou fazer sem sem cabritar, cabritamos. E queremos cabritar tudo e sempre. Não podemos ver um projecto sem o cabritar. Não podemos ver a esposa do vizinho a rebolar as nádegas sem sofremos e lutar-mos até "consegui-la". E quando conseguimos essa, vamos atrás de todas as outras que nos passem pela frente. E caímos por cima de todas quantas consigamos, ainda que já não tenhamos nem capacidade nem prazer. É "comer" por "comer". Cabritar por cabritar. è uma vida primitiva, primária.
(...)
Caros presentes. A província de Sofala, a nossa cidade da Beira particularmente, é peculiar.É palco de acontecimentos extremos e únicos. Parece que, em certos momentos, funcionamos sob a bênção do diabo. E parece que muitos de nós, mesmo sabendo disso, se recusam a encarar tal facto com seriedade, partindo do princípio de que aos cabritos ainda resta alguma sensatez.

Com ou sem razão "Maputo" é acusada de estar a castigar a Província. Maputo é a mãe do sofrimento de Sofala. É a desculpa das desgraças da província. Porém, o que eu vejo são duas coisas que ocorrem simultâneamente. Uma são as cabeçadas que a Província tem estado a levar historicamente. Outra coisa somos nós ( os Sofalenses) que pensamos e trabalhamos mais com a boca.

As estatísticas dizem que Sofala apresenta um dos piores índices de desenvolvimento humano e pobreza do País. Significa que Sofala apresenta a população muito pobre e a desenvolver muito pouco. Outras províncias tem a população menos pobre e desenvolvem mais depressa. Mas se fizermos a comparação pela acumulação de riqueza, veremos que Sofala tem tantos ou mesmo mais ricos do que as províncias que no global são mais ricas. Como é que podemos andar a gritar que Maputo está a desenvolver-se à custa do nosso suor, da nossa madeira, dos nossos impostos, do nosso camarão se, entre nós, há aqueles que se desenvolvem e enriquecem de forma "descontrolada". É Maputo que nos está a sufocar ou nós é que estamos a nos comer-mo-nos uns aos outros? Que sentido faz os nossos grandes criticarem os grandes do sul se todos se comportam da mesma maneira? Se todos, além da residência oficial, têm ainda a casa dois, quintas por todo o lado, e mansões em obras sem fim? Se em cada uma de tais casas está parqueado um 4 x4 último grito.

Falando de 4 x4 é lindo ver nas direcções provinciais os parques alindados por estes cavalos. Todos os anos o parque a ser renovado, com máquinas cada vez mais loucas. E cada vez que um chefe qualquer, numa noite de muita inspiração alcoólica parte um carro na auto estrada da Manga, na semana seguinte é comprada no zimbábwe outro carro igual. O chefe não pode andar a pé!

Entretanto, o troço Inchope-Save não está bem de saúde. Entretanto, do Dondo ao Inchope muito pedaço falta reabilitar. Entretanto, o Gorongosa-Caia bem que podia, se calhar, ser trabalhado com mais rapidez. Entretanto, as nossas florestas e o nosso mar continuam a parir riqueza. Mas continuamos orgulhosamente na cauda em quase tudo. Menos na riqueza pessoal de um grupo enjoativamente pequeno.
E no lugar de trabalharmos, passamos a vida acocorados fecalicamente no arrozal, a comer tépwe com nipa na praia nova,ou nostálgicos no revieira, a insultar as mães do dignatários da ponta vermelha. Esquecendo-nos que a Beira precisa de sangue beirense para limpar a "tâmega". Que a maresia do chiveve só não enjoa aos mabangwe.Que o matope do Vaz espera por engenheiros que conhecem a poesia das ntsombas.
A lógica de Maphape

E quando falo de riqueza pessoal, não estou a fazer isso perseguindo utopias igualitaristas. Não. Falo da lógica de Maphape e do bakaiyau e dos complexos de Monomotapa. E como não sei se Monomotapa comeu Maphape, vamos primeiro ver este peixe e interpretar o seu simbolismo. Uma vez que a lógica do Maphape é a lógica da pobreza moral. E é o verdadeiro totem da corrupção. Como se sabe, o Maphape é algo pobre. Não tem carne. É um peixe seco sem carne.Pode-se comer muito mas não enche a barriga. Nem alimenta. Mas satisfaz o hábito. E a corrupção aqui segue a lógica do Maphape.

(...)

Sei que já vai longa esta sessão. Por isso é mesmo momento de pensarmos em usar a boca para outras coisas mais prazeirosas ( no programa estava claramente destacado que havia cocktail. No fim). Mas antes, e como já prometi, vou falar do monomotapa. Isto como parte da compreensão das razões que nos levam a cabritar tanto. Cabritar de forma nojenta. Abjecta.

Como já se sabe, no reino do Monomotapa há-de se ter comido tanto maphape como bakaiyau. E bacalhau é sinal de fidalguia. Tanto hoje como naqueles tempos. E mesmo nos tempos que correm não é qualquer peixe e salgado que tolera o nome de bakaiyau. Um maphape não é bakaiyau. Ntsomba não é bakaiyau. Mbobwe não é bakaiyau. E quando à mesa há bakaiyau, maphape só para gozar. Bakaiyau é na origem algo mais acima.

O reino do monomotapa era bem organizado e tinha normas claras. Funcionava com alguma eficiência. Então o rei tinha um dilema. conta-se. Se cumprisse as normas todas o seu protagonismo diminuía. Ficava tipo um cidadão normal, qualquer. Mas ele queria que todos o vissem, que todos os referenciassem. Ou seja, ele tinha fatalmente de ser diferente, para não ser igual. Diz-se que foi por essa razão que ele criou uma lei só para ele. Permitiu-se fornicar as "irmãs". só ele podia fazer tal coisa.legitima e impunemente embora fora ou acima da lei.

Infelizmente, nós, muito tempo depois, parecemos reféns dessa psicologia colectivizada. Queremos ser diferentes contornando as normas. Pretendendo um protagonismo ridículo. confundindo bakaiyau com bacalhau. Revelando um complexo de pobreza confrangedor. Um complexo que nos descontrola ante uma possibilidade de "abocanhar". Um fulano não luta para saber. Mas para ter. Não luta para brilhar, mas para ofuscar os outros. E quando o dito é nomeado chefe, em eis meses engorda uns dez quilos. Ele não consegue conviver com a riqueza. Aliás, foi talhado à dimensão do fato da pobreza. Quer comprar em seis meses todas as mansões da cidade. Quer ter um four by four para cada membro da família. Tem prazer na desbunda. Quando se lembra, transporta de avião toda a família e familiares. isto é, esposa, amante, filhos, sogros, etc. E aloja-os no hotel mais luxuoso da zona. Este tipo de chefe, quando mete a mão no dinheiro do povo ( é dele porque ele manda no tal dinheiro!) quer comprar todas as empresas que ele muito deligentemente faliu, ser sócios de todas as outras que estão ser criadas...e o chato é tudo isto, é que ele faz isso não por ser um grande gestor. Não senhor. Faz porque têm um espírito mesquinho.Insaciável. Pobre.

Resumindo, vivemos cabritando-nos uns aos outros, confundindo bakaiyau com bacalhau,; vivemos fazendo incestos que a outros proibimos, só para sermos diferentes e conhecidos. Enquanto lá fora os outros riem-se de nós. E avançam!

observação; Workshopista;danjaquiano;reflesons

Neste blogue não tenho um alvo específico. Falarei de tudo um pouco. Muitos comentários, devaneios. Mas, principalmente, e de forma apaixonada, vou trazer as minhas constatações, fruto de observação do dia a dia. Vou trazer a imagem do que os meus olhos veêm e os sons que os meus ouvidos ouvem na rua, nos mercados. Vou partilhar as minhas experiências enquanto agente e sujeito social.Na excitante condição, como está na moda agora dizer-se, de parte da base. À paisana, como nasci e existo.

Trarei também alguns artigos que fui escrevendo enquanto palestrante ( ou workshopista militante) e colaborador de alguma imprensa nos finais da década 80 e durante a seguinte.


Assim colocadas as coisas, está claro o meu desejo de andar para o futuro de mãos dadas com o passado.

Ou seja, viverei também de esgaravatar a minha memória danjaquiana, o meu CV, recuperando coisas do meu passado, um pouco para cumprimentar amigos e acontecimentos que não faz mal recordar e partilhar.

E mesmo no finzinho, trarei, sempre que possível, algumas reflesons. Assim mesmo com s, pois o Machado, a quem peço emprestado o termo,assim mo deu a conhecer.Pois, por mais que não tente, a veia de radiofóno sempre se desesconde.



Chamo-me António Miguel Ndapassoa. Para todos os efeitos.